segunda-feira, 3 de abril de 2017

Thomas de Toledo: POR UM NOVO PROJETO DE PAÍS


É necessário insistir na importância de um projeto político para o Brasil, pois aquele que sustentou Lula e Dilma por 13 anos esgotou-se e jamais será reeditado nos mesmos marcos.
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Em 2002, FHC era o presidente mais rejeitado da História ​do país. Seu projeto neoliberal era bem sucedido ao grande capital, mas era um desastre ao trabalhador e ao pequeno e médio empresário. Desemprego elevado, inflação crescendo, empresas quebrando e economia estagnada e desnacionalizada eram suas marcas. O neoliberalismo fracassara e o povo sentia isso no bolso.
Lula era o candidato favorito. Para garantir a vitória, Lula escreveu a "Carta ao Povo Brasilero", na qual se comprometia a manter os fundamentos neoliberais da macroeconomia, ao mesmo tempo em que faria uma nova política social. O empresário nacionalista José Alencar como vice era uma espécie de avalista desse "pacto social".
Lula foi eleito e seu primeiro mandato trouxe novidades​ na política social, externa e de desenvolvimento, mas manteve velhas práticas tucanas como a ortodoxia neoliberal com Palocci na economia e a política de compra de apoios de congressistas com José Dirceu. Em 2005, Lula sofreu uma tentativa de golpe com o caso do "mensalão". A exoneração desses dois ministros removeu velhas práticas e deu lugar a novos personagens: o neoliberalismo de Palocci foi substituído pelo keynesianismo cepalino de Guido Mantega e as movimentações hegemonistas e obscuras de Dirceu deram lugar à tecnocrata Dilma Rousseff, como uma espécie de chefe de ministros, e a articulação política passou a Aldo Rebelo.
Nascia um novo governo, que resistira ao ataque midiático e que, na disputa do 2o turno de 2006, polarizou a diferença de projetos contra o fraco Geraldo Alckmin: quando Lula deixou claro que não apoiava privatizações, o governo assumiu uma natureza mais desenvolvimentista.
Tudo começava a melhorar, até que eclodiu a crise mundial do capitalismo em 2008. Lula decidiu usar de políticas anticíclicas e, a despeito da queda do PIB em 2009, no ano seguinte o país verificou um crescimento de 7,5%. O trem estava acelerado e eleger a desconhecida Dilma Rousseff como sucessora não foi difícil. Vale lembrar que no 2o turno de 2010, o candidato José Serra abriu a caixa de Pandora da extrema direita, introduzindo o ódio, a pós-verdade a agenda conservadora no discurso político.
Dilma assumiu e colocou o pé no freio da economia, fazendo um ajuste fiscal. Sua promessa era reduzir os juros e ela parecia mais determinada do que Lula a mudar os fundamentos da política neoliberal de FHC. Os juros chegaram em junho de 2013 aos menores patamares da História, mas com a eclosão das manifestações, Dilma recuou. Apesar de o grito das ruas ter sido por mais serviços públicos, ela preferiu ouvir os banqueiros e voltou a subir os juros.
Veio 2014 e as eleições foram extremamente polarizadas. No segundo turno, a campanha de Dilma assumiu um discurso combativo e de esquerda, garantindo sua vitória. O Brasil estava dividido e ela precisava mostrar respostas rápidas que nunca vieram. Ao contrário, seu segundo mandato, iniciado em 2015, foi uma via crucis para cavar a própria sepultura.
O primeiro erro de Dilma foi nomear Joaquim Levy para executar a agenda econômica do candidato derrotado, apostando que isso acalmaria a oposição. O resultado foi o oposto: a militância mobilizada que a apoiara ficou na defensiva e os setores mais reacionários se levantaram em crescentes protestos pelo país. A direita saía do armário, futebolizando a política com a camisa da CBF para protestar contra a corrupção, prevalecendo a ideia de que partido é como um time e militante é o mesmo que torcedor. A esquerda puxou também enormes manifestações, mas Dilma teve uma atitude irresponsável: ao mesmo tempo em que mandava uma junta ministerial dialogar com a direita, não se envolvia com as manifestações da esquerda. De presente aos golpistas, Dilma propôs uma "lei antiterrorismo", apoiou o projeto de José Serra de retirar a obrigatoriedade de a Petrobras explorar o pré-sal e ainda convocou as centrais sindicais para pautar a reforma da previdência. Seu governo se tornara um morto vivo, especialmente depois da "genial" ideia de Mercadante de tentar esvaziar o PMDB e partir pro enfrentamento direto com o Congresso, enquanto José Eduardo Cardoso deixava a PF e a Operação Lava Jato cometerem seus abusos.
Dilma deixou passar inúmeras oportunidades para recompor o governo, a base congressual e seu apoio na sociedade e, quase um ano depois de eleita, não apresentara um plano de governo. Quando pediu que Lula integrasse o ministério, já era tarde. Lula também errou no timing, aceitando apenas após sua condução coercitiva, o que foi usado pela mídia para dizer que ele queria apenas o foro privilegiado.
Veio o golpe e mais uma vez, Dilma vacilou: entregou-se ao grotesco espetáculo institucional em nome do republicanismo. Com medo de panelas da classe média, não se comunicou com a população quando pôde e deixou a mídia construir a narrativa "oficial" do impeachment. A mesma mídia que ela disse que só seria regulamentada sob seu cadáver.
Com o golpe, fomos obrigados a olhar para o retrovisor e constatar que em 13 anos não fora feita uma reforma política democrática, agrária, urbana, tributária progressiva, nenhuma privatização foi revertida e não foram criados mecanismos que dificultassem retrocessos. Ao contrário, o discurso da defesa do tripé macroeconômico neoliberal e do tal republicanismo da "independência" das instituições criou um falso consenso de que esse​ é o único caminho a ser seguido. A melhora das condições de vida da população sem um debate ideológico com a sociedade fez com que a ascensão social fosse entendida por uns como obra divina, fortalecendo o fundamentalismo religioso, e por outros como mérito individual, reforçando o dogma neoliberal. Assim, a esquerda, viciada em eleições e em cargos de governo, tomou um choque de realidade e teve que relembrar o que era ser oposição.
O projeto político da "Carta ao Povo Brasileiro" havia se esgotado. Quando a decisão deveria ser ir pra frente e avançar com as reformas, Dilma optou por voltar à agenda neoliberal para tentar salvar seu mandato, mas acabou por naufragar qualquer possibilidade de virada naqueles marcos.
Agora, um novo desafio está posto: qual projeto de país, a esquerda pretende apresentar? Temer apresentou um projeto, reacionário, neoliberal, antidemocrático, antinacional e antipopular e está executando-o a risca, para a desgraçada do país e do trabalhador. Infelizmente, a vaidade de certos partidos e o personalismo de algumas figuras públicas tem dificultado uma rearticulação da esquerda.
Ou os setores progressistas, democráticos, nacionalistas, populares e de esquerda começam a esboçar uma plataforma que culmine num projeto, ou veremos o bonde da História passar por cima das parcas conquistas da Era Lula e Dilma e do que restou da Era Vargas. Que a escolha seja pela construção de uma ampla frente pela retomada de um caminho progressista ao Brasil.

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