quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Memórias de um alienado - parte II

Memórias de um alienado - parte II: Como eu comecei a ver e sentir a MATRIX...


Por André Lux

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Antes prosseguir com o relato do meu processo
de “abertura dos olhos”, gostaria de esclarecer um ponto. Pode ser que meu texto
anterior tenha passado a impressão de que sou um sujeito rancoroso, recalcado, que
culpa e recrimina os pais e os amigos pelo processo de alienação pelo qual fui
submetido durante a infância e a juventude.

Embora seja verdade que esses sentimentos venham à tona quando você percebe
que foi, para colocar de maneira bem simples, enganado e induzido por pessoas que
 gostava a pensar de uma certa forma que não condiz com a realidade, é verdade
também que fica fácil entender suas ações e perdoá-los.

Afinal, eles também foram enganados e induzidos durante toda sua vida para pensar
 e agir daquela forma e, infelizmente, acreditavam estar fazendo o melhor, sem c
ondições ou vontade de quebrar aquele ciclo de alienação e dominação ideológica
que os massacrava e os manipulava como gado que vai cantando feliz rumo ao
matadouro. Quando lembro, com um frio na espinha, que eu mesmo poderia estar
 assim até hoje - cheio de medo, ódio, intolerância e 
preconceitos - e que, provavelmente, iria educar meus filhos da mesma maneira,
 fica mais fácil ainda ser condescendente...

Bom, dito isso, vamos prosseguir.

Afinal, como eu consegui “abrir meus olhos”, perceber a Matrix à minha volta e
 romper a prisão mental da alienação, do ódio e do medo? Vários fatores me 
ajudaram nessa jornada que, confesso, foi longa e nada fácil. Vou enumerá-los
 em ordem cronológica, para facilitar.



1) CINEMA: tudo começou quando me levaram para 
assistir “Guerra nas Estrelas”. Mas, o que esse filme-pipoca roliudiano tem a ver 
com isso? Antes de torcer o nariz, explico que assisti ao primeiro nos cinemas, 
quando tinha por volta dos 8 anos de idade. Não vou entrar em detalhes a cerca 
da minha adoração pela obra do George Lucas, que deve ter durado até pouco 
tempo (confesso), mas basta dizer que foi aquela obra que me abriu para o 
cinema e, por tabela, para o mundo das artes em geral.

leia também:

Memórias de um alienado: Eu também já fui papagaio da direita...


E, mesmo que isso fosse imperceptível para meu limitado cérebro na época,
 tratava-se da história de um grupo de “rebeldes” idealistas que lutava para 
derrubar um império “fascista” (embora essa realidade tenha sido deturpada 
depois pelos extremistas de direita quando Reagan tomou o poder nos EUA, 
e foi usado como símbolo para a guerra fria, com o Império maligno representando
 a ex-União Soviética). Enfim, aquele filme mudou minha vida. Depois dele
 nunca mais fui o mesmo, para o bem e para o mal.

2) O MODO DE VIDA NERD: por causa do meu apego ao cinema e tudo
que estava relacionada a ele, especialmente as trilhas sonoras dos filmes, 
nem preciso dizer que me transformei em um verdadeiro nerd. Assim, 
enquanto meus amigos começavam a gostar de tudo que era “normal”
 naquela sociedade (do rock n’ roll enquadrado aos parâmetros do 
consumismo, ao consumo de drogas e bebidas alcoólicas) lá estava eu 
tentando arrumar dinheiro para comprar o disco de “Jornada nas Estrelas”
 ou o álbum de figurinhas do “Flash Gordon”...

Embora nada disso tenha me ajudado a abrir os olhos naquele momento, 
certamente me transformou num sujeito meio estranho, marginalizado e com 
um forte sentimento de inquietação. Afinal, eu só tinha amigos nerds como eu e 
nunca conseguia me enturmar com os “descolados”, que adoram ridicularizar os 
“diferentes”. Eu comecei a sentir que alguma coisa estava errada, mas eu não 
sabia o que era e nem me preocupava muito em descobrir. Porém, já era um começo.

3) INFLUÊNCIAS DECISIVAS: fiquei mais ou menos na mesma até o meio d
a minha adolescência. Foi a partir dos 16 anos, quando um primo entrou na 
faculdade em Campinas e veio morar conosco, que as coisas começaram a 
mudar. Não sei dizer se ele era de esquerda ou de direita (talvez fosse ainda
 indiferente como eu), mas a verdade é que era um sujeito muito mais culto 
e antenado do que eu – até porque teve uma educação mais rica e politizada
 que a minha.

Foi graças a esse cara que eu comecei a gostar de qualquer tipo de filme 
(e não só de ficção científica, aventura e terror) e, mais importante, aprendi
 a decifrar mensagens e idéias que estavam contidas nas obras de arte. Até 
então, eu pensava, “um filme é só um filme, puro entretenimento, nada mais”.
 Ledo engano. Não fosse pelo meu primo, jamais teria assistido (e entendido) 
a filmes como “Brazil”, “A Missão”, “Coração Satânico”, “Amadeus”, conhecido 
o Monty Phyton ou lido quadrinhos como “Batman, O Cavaleiro das Trevas”, 
“Ronin”, “Watchmen” ou “V de Vingança”.

Foi nesse momento que eu comecei a perceber algumas coisas surpreendentes: 
não existem mocinhos e bandidos na vida real, o USA não era assim um país
 tão bacana e justo, a religião poderia causar (e causou) grandes males às pessoas
e ao mundo, nem sempre quem era chamado de “terrorista” lutava por uma causa
ruim, muita coisa que era vendida pela mídia como sendo uma verdade única ou normal
 tinha um outro lado que não era divulgado, etc. Mesmo assim, eu ainda não havia ligado
os pontos para formar o grande quadro. Isso só aconteceu quando eu entrei para a
universidade.

4) UNIVERSIDADE FEDERAL: ser um jovem alienado e perdido no mundo me trouxe
uma grande vantagem naquele ponto da vida. Eu não tinha a menor idéia do que
fazer da minha vida. Assim, ao chegar à encruzilhada da adolescência e ter que
escolher qual faculdade deveria fazer, mais perdido que cego em tiroteio, optei
pelo curso de... Química! Prestei vários vestibulares e consegui entrar na Universidade
Federal de São Carlos (UFSCAR). E foi ali que tudo começou a mudar em minha vida.
 O ano era 1989 e estávamos prestes a ter a primeira eleição direita para Presidente
da República em mais de 20 anos (embora eu não desse a mínima para esse fato,
afinal “odiava política”, lembram?).

Meu primeiro choque, depois de ficar décadas praticamente falando besteiras sem
sentido e me relacionando com gente vazia e alienada, foi perceber que existiam
 pessoas que conheciam, discutiam e debatiam diversos temas que eu não tinha a
 menor noção do que significavam. E eram jovens da minha idade! Como aquilo era
possível? - eu me perguntava.

Obviamente, como eu não entendia quase nada do que discutiam, meus primeiros
sentimentos em relação àquelas pessoas foram de raiva e inveja. E, como não poderia
 deixar de ser, comecei a entrar no meio das conversas transformando esses
sentimentos negativos e mesquinhos em petulância, cinismo e provocações baratas.
 Foi naquele período que me tornei oficialmente um “papagaio da direita”, afinal de
contas a maioria dos jovens que estudavam lá era de esquerda e defendia a
 candidatura de Lula contra o marajá das Alagoas, Fernando Collor. Nem preciso
dizer que, para irritar “aqueles petistas” eu dizia que ia votar no Collor, que Lula
era baderneiro profissional, etc, etc. Tudo aquilo que eu havia “aprendido” na escola
da ditadura e que fora reforçado no ambiente em que fui criado.

Fiquei nessa um bom tempo, diria que uns seis meses mais ou menos. Então coisas
 estranhas começaram a acontecer.

Como é perfeitamente natural após um semestre inteiro de contato diário com um grupo,
passei a gostar de várias pessoas e até admirá-las. Percebi que ali havia muita gente
bacana, inteligente e companheira, que sabia ouvir meus problemas, me apoiava quando
 eu precisava de ajuda (principalmente nas matérias, pois eu “boiava” em quase tudo)
e, acima de tudo, não me ridicularizava quando dizia que gostava de cinema, música
erudita e quadrinhos – pelo contrário. Para aquelas pessoas, eu não era mais um
 “babaca” ou um nerd esquisitão, mas sim um sujeito sensível que gostava de arte!
Descobri que muitos ali também gostavam das mesmas coisas, tinham inclusive os
mesmos problemas familiares e carências afetivas.



Entretanto, quando eu entrava no modo
 “papagaio da direita”, aquelas pessoas que, no fundo eu invejava e queria impressionar,
simplesmente me deixavam falar e, assim que eu terminava de vomitar minhas asneiras,
continuavam o assunto de onde haviam parado. Ninguém me hostilizava, muito menos
me ridicularizava. Simplesmente me ignoravam...

Depois de umas três ou quatro situações como essa comecei a me sentir constrangido
e patético. Afinal, eu não gostava daquelas pessoas, não as admirava? Não gostava da
maneira sensível e humana que me tratavam e ouviam? Então, por que diabos eu estava
 querendo provocá-las e irritá-las, repetindo coisas ditas pelos meus pais e por outras
pessoas que nunca me respeitaram nem me ouviram antes? Para piorar tudo, comecei
a perceber que os que repetiam aquelas mesmas asneiras provocativas e me davam
 força para que eu continuasse a proferi-las eram justamente aqueles tipos mais idiotas,
 os “mauricinhos” e os filhinhos de papai que me cercavam aos montes...

Lembro como se fosse hoje de uma festa realizada na casa da minha primeira namorada,
onde toda a moçada estava reunida, tocando violão, comendo churrasco e bebendo
cerveja. De repente, começou um papo sobre política e um rapaz, que era inclusive
membro do DCE, colocou seu ponto de vista e defendeu Lula com muita propriedade e
civilidade. Quando eu ia começar a falar asneiras contra o petista, outro sujeito passou
na minha frente e verbalizou tudo aquilo que estava na ponta da minha língua. Olhei
para ele e vi que era um tipinho que ninguém gostava, um playboy folgado e mesquinho,
que chegava a exigir grana dos que moravam com ele para dar carona até a faculdade
e vivia invadindo festas mesmo sem ter sido convidado.

Aquilo me transtornou. Quer dizer que eu era igual àquele imbecil? Não era possível!
Logo eu, um cara que se julgava tão bacana, sensível, amante das artes, romântico
e incompreendido, no fundo me portava igual aos tipos mais desprezíveis e irritantes?
Não preciso dizer que foi ali que a ficha caiu e, finalmente, após longos anos de
alienação e estupidez eu finalmente comecei a tomar consciência do mundo à minha
 volta e de todos os problemas reais que existiam nele.

Antes tarde do que nunca, não é mesmo? Ah, esqueci de um outro fator que também
foi decisivo para o meu crescimento intelectual e espiritual:



5) AUSÊNCIA DE TELEVISÃO. Quando mudei
para São Carlos, fui morar com amigos em uma república. Detalhe: ninguém conseguiu
 levar uma TV! Assim, passei praticamente um ano da minha vida impedido de alimentar
meu vício de ficar horas sentado em frente àquela “máquina de fazer doido”. No começou
quase tive um treco, mas depois de uns dois meses, me acostumei a viver sem aquele
monte de lixo ideológico que era enfiado na minha mente e, assim, passei a investir
meu tempo em coisas mais importantes, como debates, conversas e leituras.

Só quem passou por isso tem noção do quanto a vida melhora sem a influência nefasta da
TV. Tanto é que, depois disso, nunca mais consegui ficar mais de cinco minutos na frente
 de uma televisão que não apresentasse algo minimamente inteligente e instigante - que,
convenhamos, se resume a 1% da programação das redes e olhe lá...

Mas, essa mudança toda em minha consciência trouxe várias conseqüências para a
 minha vida. Abordarei esse tema num próximo texto. Aguardem!

http://tudo-em-cima.blogspot.com.br/2007/05/memrias-de-
um-alienado-parte-ii-como-eu.html

Um comentário:

  1. Entretanto, quando eu entrava no modo
    “papagaio da direita”, aquelas pessoas que, no fundo eu invejava e queria impressionar,
    simplesmente me deixavam falar e, assim que eu terminava de vomitar minhas asneiras,
    continuavam o assunto de onde haviam parado. Ninguém me hostilizava, muito menos
    me ridicularizava. Simplesmente me ignoravam...

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