domingo, 6 de janeiro de 2013

Lênin: Que Fazer?(parte 3)


Que Fazer?
As questões palpitantes do nosso movimento (parte 3)

V.I. LÊNIN
Editora Hucitec - São Paulo, 1979

Leia também:

Lênin: Que Fazer? (parte 2)


A luta interior dá força e vitalidade ao partido; a melhor prova da fraqueza de um partido é sua posição difusa e a extinção de fronteiras nitidamente traçadas; o Partido reforça-se depurando-se...

(trecho de uma carta de Lassalle a Marx, de 24 de junho de 1852)

V - "Plano" de um jornal político para toda a Rússia

"0 maior erro do Iskra nesse aspecto”, escreve B. Kritchévski que nos censura pela tendência de, “isolando a teoria da prática, transformar a primeira em uma doutrina morta” (Rab. Dielo, nº 10, p. 30), "é o seu 'plano' de uma organização geral do Partido" (isto é, o artigo “Por Onde Começar?"). Martynov lhe faz coro e declara que "a tendência do Iskra em diminuir a importância da marcha progressiva da obscura luta cotidiana, em relação à propaganda de idéias brilhantes e acabadas... foi coroada pelo plano de organização do partido, proposto no artigo "Por Onde Começar?" publicado no número 4 desse jornal" (Idem, p. 61).
Enfim, ultimamente, àqueles a quem esse "plano" agastou (as aspas exprimem a ironia quanto a isso),juntou-se L. Nadejdine que, em uma brochura que acabamos de receber - Às Vésperas da Revolução (editada pelo "grupo revolucionário socialista" Svoboda, que já conhecemos) - declara que "falar agora de uma organização cujos fios seriam atados a um jornal para toda a Rússia, é produzir em profusão idéias abstratas e um trabalho de gabinete" (p. 126), é fazer "literatura falsificada" etc.
A solidariedade de nosso terrorista com os partidários da "marcha progressiva da obscura luta quotidiana" não nos poderia espantar: indicamos as raízes desse parentesco nos capítulos sobre a política e a organização. Mas, desde já devemos observar que L. Nadejdine, e somente ele, tentou conscienciosamente penetrar no sentido do artigo que lhe desagradou, ao qual tentou responder em profundidade, enquanto o Rab. Dielo nada disse de profundo e apenas procurou confundir a questão através de uma série de procedimentos demagógicos indignos. E por mais desagradável que seja, é preciso primeiro perder tempo para limpar as estrebarias de Augias.

a) Quem se escandalizou com o artigo "Por onde começar"

Vamos citar o rosário de expressões e exclamações que o Rabótcheie Dielo lançou sobre nós. "Não é um jornal que pode criar a organização do Partido, mas, sim, o contrário"... “Um jornal colocado acima do Partido, fora de seu controle e independente do Partido graças à sua própria rede de agentes"... "Qual foi o milagre que fez com que o Iskra esquecesse as organizações sociais-democratas já existentes de fato no Partido ao qual ele próprio pertence?"... "Os que possuem firmes princípios e um plano apropriado são também os, supremos reguladores da luta real do partido, ao qual ditam a execução do seu plano"... "O plano relega nossas organizações tão reais e viáveis ao reino das trevas, e quer dar vida a uma rede fantástica de agentes"... "Se o plano do Iskra fosse executado, acabaria por apagar inteiramente os traços do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, em vias de formação entre nós"... "O órgão de propaganda torna-se um legislador incontrolado, autocrata, de toda a luta revolucionária prática"... “O que deve pensar nosso partido sobre sua submissão absoluta a uma redação autônoma" etc. etc.
Como o conteúdo e o tom dessas citações mostram ao leitor, o Rabótcheie Dielo escandalizou-se. Entretanto, escandalizou-se não por si próprio, mas pelas organizações e comitês de nosso Partido que o Iskra pretensamente pretende relegar ao reino das trevas e até fazer apagar os seus traços. Que horror, pensam vocês! Apenas uma coisa é estranha.
O artigo "Por Onde Começar?" apareceu em maio de 1901; os artigos do Rabótcheie Dielo, em setembro de 1901; ora, já estamos na metade de janeiro de 1902. Durante todos esses cinco meses (tanto antes como depois de setembro) nenhum comitê e nenhuma organização levantaram protesto formal contra essa coisa monstruosa, que quer relegar comitês e organizações ao reino das trevas! Ora, durante esse tempo, o Iskra e a grande maioria das outras publicações locais e não locais publicaram dezenas e centenas de informações vindas de todos os pontos da Rússia. Como pôde acontecer que aqueles que se quer relegar ao reino das trevas não tenham se apercebido nem escandalizado com tal coisa, mas, sim, que uma terceira pessoa tenha sido melindrada?
Isso ocorreu porque os comitês e as outras organizações não brincam de "democratismo”, mas realizam trabalho útil. Os comitês leram o artigo "Por Onde Começar?", e perceberam que constituía uma tentativa de "traçar o plano de uma organização de modo a poder começar sua construção de todos os lados, e ao mesmo tempo" e como sabiam e compreendiam perfeitamente que nenhum "desses lados" pensava em "empreender a construção”, antes, de se convencer de sua necessidade e da realidade do plano arquitetônico, naturalmente nem me smo pensaram em "escandalizar-se” com a extrema audácia dos homens que declararam no Iskra o seguinte: "Dada a urgência e a importância dessa questão, decidimos, de nossa parte, submeter à consideração dos camaradas o esboço de um plano que desenvolveremos de forma mais detalhada em uma brochura já em preparo. “Seria possível, de fato, quando se considera seriamente tal questão, não compreender que se os camaradas aceitassem o plano que lhes era oferecido, executá-lo-iam não por "submissão”, mas porque estavam convencidos de sua necessidade para nossa causa comum, e se não o aceitassem, o "esboço" (que palavra pretensiosa, não é mesmo?) não permaneceria um simples esboço? Na verdade, não constitui demagogia o fato de se declarar guerra a um esboço de plano, não apenas "demolindo-o completamente" e aconselhando aos camaradas a rejeitá-lo, mas ainda voltando os homens pouco competentes em matéria de revolução contra os autores do esboço, pelo simples fato de, ousarem legislar”, de se colocarem como "reguladores supremos”, isto é ousarem pregar um esboço de plano? Nosso partido pode desenvolver-se e seguir adiante, quando uma tentativa de elevar os militantes locais para concepções e objetivos de planos mais amplos etc., recebe objeções não somente porque essas concepções parecem falsas, mas também fica-se "escandalizado” pela “preocupação” de nos elevarmos? Assim, L.
Nadejdine, por exemplo, também "demoliu completamente" nosso plano, mas não se deixou levar por uma demagogia que não poderia ser explicada senão pela ingenuidade ou pelo caráter primitivo das concepções políticas; desde o início repudiou deliberadamente a acusação de se colocarem "inspetores do Partido" para esse fim. Portanto, pode-se e deve-se responder em profundidade a crítica do plano feita por Nadejdine, e responder ao Rabótcheie Dielo apenas com o desprezo.
Mas o desprezo pelo escritor que se rebaixa a ponto de censurar a “autocracia" e a “submissão”, não nos dispensa da obrigação de desfazer a confusão que essas pessoas criam no leitor. Aqui, podemos demonstrar claramente a todos, de que qualidade são essas frases correntes sobre a "ampla democracia". Acusam-nos de esquecer os comitês, de querer ou tentar relegá-los ao reino das trevas etc. O que responder a essas acusações, quando não podemos contar ao leitor quase nada de real sobre nossas relações práticas com os comitês - por razões ligadas à conspiração? As pessoas que lançam uma acusação áspera, que irrita a multidão, levam vantagem por sua desenvoltura, pelo desdém demonstrado pelos deveres do revolucionário, que esconde cuidadosamente dos olhos do mundo as relações e ligações que realiza, que estabelece ou procura estabelecer. Compreende-se porque renunciamos de uma vez por todas a competir com essas pessoas no campo da “democracia". Quanto ao leitor não iniciado em todos os assuntos do Partido, o único meio de preencher nosso dever em relação a ele, é contar não o que existe ou o que se encontra im Werden, mas uma pequena parte do que já aconteceu, e já se pode falar como coisa passada.
O Bund faz alusão à nossa "usurpação*1"; a “União” sediada no estrangeiro nos acusa de querer fazer desaparecer os traços do Partido. Olhem, Senhores, terão plena satisfação quando expusermos ao público quatro fatos extraídos do passado.
O primeiro fato*2. Os membros de uma das "Uniões de luta", que tiveram participação direta na formação de nosso Partido e no envio de um delegado ao congresso que fundou o Partido, entenderam-se com um dos membros do grupo Iskra para criar uma biblioteca operária especial a fim de atender às necessidades de todo o movimento operário. Não se conseguiu criar uma biblioteca operária e as brochuras escritas para ela, As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos e A Nova Lei Operária, chegaram por vias transversas e por intermédio de terceiros ao estrangeiro, onde foram impressas.
O segundo fato. Os membros do Comitê Central do Bund propuseram a um dos membros do grupo Iskra montar, como então se expressou o Bund, um “laboratório literário". E lembraram que se isso não fosse conseguido, nosso movimento poderia sofrer um recuo sensível. A brochura intitulada A Causa Operária na Rússia*3 foi a conseqüência das negociações.
O terceiro fato. O Comitê Central do Bund, por intermédio de uma pequena cidade de província, propôs a um dos membros do Iskra assumir a direção da Rabótchaia Gazeta a ser reinstituída; a proposta naturalmente foi aceita, e depois modificada; foi proposta a colaboração, uma nova combinação com a intervenção da redação. E, naturalmente. nova aceitação. Foram enviados artigos (que se conseguiu conservar):
“Nosso Programa” - com um protesto direto contra a “bernsteiniada" e a reviravolta ocorrida na literatura legal e na Rabótchaia Mysl; "Nossa Tarefa Imediata" (“a organização de um órgão do partido que apareça regularmente, e esteja estreitamente ligado a todos os grupos locais", as insuficiências do "trabalho artesanal" predominante); "Uma Questão Urgente” (análise da objeção segundo a qual é preciso, primeiro, desenvolver a ação dos grupos locais, antes de se proceder à ação de um órgão comum; insistia-se sobre a importância primordial da “organização revolucionária", - sobre a necessidade de trazer para a organização, a disciplina, e a técnica do trabalho clandestina elevada à mais alta perfeição”). A proposta de fazer reaparecer a Rabótchaia Gazeta não foi realizada, e os artigos não foram impressos.
O quarto fato. O membro do Comitê, que organizou o segundo congresso ordinário de nosso Partido, deu conhecimento a um membro do grupo Iskra do programa do congresso, e propôs a candidatura desse grupo para as funções de redator da Rabótchaia Gazeta a ser reinstituída. Tal providência, por assim dizer preliminar, foi em seguida sancionada também pelo Comitê ao qual pertencia, bem como pelo Comitê central do Bund; o grupo Iskra foi informado do lugar e da data do congresso, e (não fora assegurada, por determinadas razões, a possibilidade de enviar um delegado a esse congresso) também redigiu um relatório escrito especialmente para o congresso. O relatório exprimia a idéia de que a eleição do comitê central, em si, não nos permitiria resolver o problema da união nesse período de plena dispersão que vivemos, mas que, no caso de ocorrerem novas ondas de prisões, o que é mais do que provável que aconteça nas atuais e precárias condições do trabalho clandestino, ainda assim arriscaríamos a comprometer uma grande idéia: fundar um partido; era preciso, portanto, começar convidando todos os comitês e todas as outras organizações para apoiar o órgão comum reinstituído, que realmente ligaria todos os comitês através de laços efetivos, e prepararia realmente um grupo que assumiria a direção de todo o conjunto do movimento; os comitês e o Partido poderiam, então, transformar facilmente esse grupo criado pelos comitês em um comitê central, a partir do momento em que esse grupo crescesse e adquirisse forças. O congresso, entretanto, não pôde reunir-se por causa de uma série de detenções, e o relatório foi destruído por questões de segurança, após ter sido lido apenas por alguns camaradas, entre eles os delegados de um comitê.
Agora, julgue o próprio leitor sobre a natureza de métodos como a alusão à usurpação, da parte do Bund, ou o argumento do Rabótcheie Dielo, que pretende termos nós proposto relegar os comitês ao reino das trevas, “substituir” a organização do Partido pela organização da difusão das idéias de um jornal. Sim, foi justamente perante esses comitês, após vários convites que deles partiram, que apresentamos relatórios sobre a necessidade de aceitar um determinado plano de trabalho comum. Foi justamente para a organização do Partido que elaboramos esse plano nos artigos destinados à Rabótchaia Gazeta e em um relatório para o congresso do Partido, e isso após termos sido convidados por aqueles que ocupavam posição tão influente no Partido, que assumiam a iniciativa de sua reconstituição (prática). E foi após o fracasso definitivo da nova tentativa de organização do Partido, para que juntamente conosco fosse oficialmente renovado o órgão central do Partido, que julgamos ser nosso primeiro dever lançar um órgão não oficial a fim de que, na terceira tentativa, nossos camaradas pudessem ter diante deles certos resultados advindos da experiência, e não apenas de conjecturas hipotéticas. No momento atual, certos resultados dessa experiência já se encontram diante de nossos olhos, e todos os camaradas podem julgar se compreendemos bem nosso dever e a opinião daqueles que buscam induzir ao erro as pessoas que ignoram o passado recente, a despeito de termos mostrado a alguns, sua inconseqüência na questão “nacional", e a outros, a inadmissibilidade das vacilações por falta de princípios.
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*1 Iskra, nº 8, resposta do Comitê Central da União Geral dos Judeus da Rússia e da Polônia, em nosso artigo sobre a questão nacional,
*2 Deliberadamente apresentamos esses fatos em ordem diferente daquela em que ocorreram.
*3 Em relação a isso, o autor dessa brochura pediu-me para dar a conhecer que, tal como suas brochuras anteriores, também esta foi enviada à “União”, supondo que o redator de suas publicações fosse o grupo "Liberação do Trabalho” (dadas as circunstâncias, não podia no momento, isto é, em fevereiro de 1899, imaginar a mudança de redação). Essa brochura será prontamente reeditada pela Liga.


B) Pode um jornal ser um oganizador coletivo?

O artigo "Por Onde Começar?" apresenta de essencial a colocação precisa dessa questão e sua resolução afirmativamente. Segundo sabemos, a única pessoa que tentou analisar a questão em profundidade e provar a necessidade de resolvê-la negativamente foi L. Nadejdine, cujos argumentos reproduzimos na íntegra:

"...A maneira como o Iskra põe em foco a necessidade de um jornal para toda a Rússia muito nos agrada, mas não podemos de forma alguma admitir que esse ponto de vista identifique-se ao título do artigo, “Por Onde Começar?. Inegavelmente isto constitui algo de extrema importância, mas não é com isso, nem com toda uma série de panfletos populares, nem com uma montanha de proclamações que os fundamentos de uma organização de combate para um momento revolucionário podem ser lançados. É preciso abordar a questão da criação de fortes organizações políticas locais. Não as temos, temos trabalhado sobretudo entre os operários instruídos, uma vez que as massas foram conduzidas quase que exclusivamente para a luta econômica. Sem fortes organizações políticas locais bem treinadas, de que serviria um jornal para toda a Rússia, mesmo que fosse perfeitamente organizado? Uma sarça ardente que queima sem se consumir, e que não inflama a ninguém! Ao redor desse jornal, por esse jornal, o povo reunir-se-á e organizar-se-á para a ação, assim pensa o Iskra. Mas, isto será feito de modo muito mais rápido através da reunião e organização em torno de um trabalho mais concreto! Isto pode e deve consistir na criação de jornais locais em grande escala, na preparação imediata das forças operárias para manifestações; as organizações locais efetuarão uma ação constante entre os sem-trabalho (difundir sem cessar, entre eles, folhas volantes e panfletos; convocar os sem-trabalho para reuniões, exortá-los à resistência ao governo etc.) É preciso empreender localmente um trabalho político vivo; e quando surgir a necessidade da união nesse terreno real, não será artificial e não permanecerá no papel. Não será com jornais que se poderá unificar o trabalho local em um plano comum para toda a Rússia" (Às Vésperas da Revolução, p. 54).

Grifamos nessa passagem eloqüente, os trechos que permitem melhor apreender a falsa idéia que o autor faz de nosso plano e, em geral, a falsidade do ponto de vista que ele opõe ao Iskra. Sem organizações políticas locais, fortes, e bem treinadas, de nada serviria à Rússia o melhor jornal que se pudesse fazer. Isto é absolutamente correto. Infelizmente, para educar pessoas para formar organizações políticas fortes não há outro meio senão um jornal para toda a Rússia. O autor não notou a declaração essencial do Iskra: a que precede a exposição de seu, "plano"; é preciso "apelar para a construção de uma organização revolucionária capaz de reunir todas as forças e que seja, não apenas nominalmente, mas também, de fato, a dirigente do movimento, isto é, uma organização sempre pronta a apoiar cada protesto e cada explosão, aproveitando-os para aumentar e fortalecer um exército apto para se dedicar ao combate decisivo" . Agora, prossegue o Iskra, após os acontecimentos de fevereiro e de março, todo mundo em princípio estará de acordo com isso; ora, não necessitamos de urna solução que se baseie em princípios, mas de uma solução prática para a questão. É preciso formular imediatamente um plano preciso de construção para que, prontamente e de todos os lados, todo o mundo possa empreender essa construção. Ora, querem arrastar-nos de novo, para trás, afastando-nos da solução prática, em direção, a essa grande verdade, justa em princípio, incontestável, mas absolutamente insuficiente e incompreensível para a grande massa dos trabalhadores: "a formação de organizações políticas fortes". Não se trata mais disso, respeitável autor, mas da forma conveniente para se proceder precisamente à formação e de fato realizá-la.
É falso que "tenhamos trabalhado sobretudo entre os operários instruídos, enquanto as massas conduziam quase que exclusivamente a luta econômica". Sob esta forma, esta afirmação desvia-se para a tendência radicalmente falsa, que a Svoboda sempre apresentou, de opor os operários instruídos à “massa". Durante esses últimos anos, os próprios operários, instruídos também conduziram, entre nós, "de forma quase exclusiva a luta econômica". Este é o primeiro ponto. Por outro lado, as massas jamais aprenderão a conduzir a luta política, enquanto não ajudarmos a formar dirigentes para essa luta, tanto entre os operários instruídos, como entre os intelectuais. Ora, tais dirigentes apenas podem ser educados iniciando-se na apreciação cotidiana e metódica de todos os aspectos de nossa vida política, de todas as tentativas de protesto e de luta das diferentes classes e por diferentes motivos. Por isso, falar de "formação de organizações políticas" e ao mesmo tempo opor "à trabalheira da papelada" de um jornal político ao "trabalho político vivo no plano local" é simplesmente ridículo! O Iskra não procura ajustar o "plano" de seu jornal ao "plano" que consiste em realizar um "grau de preparação" que permita apoiar ao mesmo tempo o movimento dos sem-trabalho, as revoltas camponesas, o descontentamento dos membros dos zemstvos, “a cólera da população contra um bachibuzuque tzarista enfurecido”etc. De fato, todos aqueles que conhecem o movimento sabem muito bem que a grande maioria das organizações locais nem mesmo pensa nisso; que muitos dos projetos de "trabalho político vivo”, aqui indicados, ainda não foram executados por nenhuma organização; que, por exemplo, a tentativa de chamar a atenção para o crescimento do descontentamento e dos protestos entre os intelectuais dos zemstvos, descontenta também a Nadejdine (“Deus! Não é aos membros dos zemstvos que esse órgão está dirigido?" Às Vésperas da Revolução, p. 129), aos "economistas" (carta no nº 12 do Iskra) e a numerosos ativistas. Nessas condições, pode-se "começar" somente por isto: incitando as pessoas a pensar em tudo isso, a totalizar e a generalizar até as menores manifestações de efervescência e de luta ativa. Em uma época onde as tarefas da social-dernocracia são depreciadas, não se pode começar o "trabalho político vivo" senão através de uma agitação política viva, o que é impossível sem um jornal para toda a Rússia, que apareça freqüentemente e seja difundido de forma regular.
Os que vêem no "plano" do Iskra apenas "literatura", não o compreenderam em sua essência; tomaram como fim o que se propõe, no momento presente, como o meio mais indicado. Essas pessoas não se deram ao trabalho de refletir sobre as duas comparações que ilustram esse plano de maneira relevante. A elaboração de um jornal político para toda a Rússia - escrevia-se no Iskra - deve ser o fio condutor: seguindo-o, poderemos desenvolver ininterruptamente essa organização, aprofundá-la e alargá-la (isto é, a organização revolucionária sempre pronta a apoiar todo protesto e efervescência). Por favor, digam-me: quando, os pedreiros colocam em diferentes pontos as pedras de um enorme edifício, de linhas absolutamente originais, esticam um fio que os ajuda a encontrar o lugar justo para as pedras, que lhes indica o objetivo final de todo o trabalho, que lhes permite colocar não apenas cada pedra, mas até cada pedaço de pedra que, cimentado ao que o precedeu e ao que o sucede, formará a linha definitiva e total. Será isto um trabalho “'de escrita"? Não é evidente que, hoje, atravessamos em nosso Partido um período em que, possuindo as pedras e os pedreiros, falta-nos exatamente esse fio que fosse visível para todo o mundo e ao qual cada um pudesse se ater? Deixemos gritar aqueles que sustentam que, esticando o fio, queremos é mandar: se assim fosse, Senhores, ao invés de intitularmos nosso jornal de Iskra nº 1, teríamos utilizado o nome de Rabótchaia Gazeta nº 3, como nos fora proposto por alguns camaradas e como teríamos pleno direito de fazê-lo, após os acontecimentos relatados anteriormente. Mas não o fizemos, porque queríamos ter as mãos livres para combater sem piedade todos os pseudo-sociais-democratas: a partir do momento em que nosso fio fosse esticado corretamente, queríamos que fosse respeitado por sua própria retidão, e não por ter sido esticado por um órgão oficial.
"A unificação da atividade local nos órgãos centrais é uma questão que se movimenta em um círculo vicioso”, diz sentenciosamente L. Nadejdine. "Para tal unificação, necessitamos de elementos homogêneos: ora, essa homogeneidade não pode ser criada senão por algo que a unifique; mas isto só pode ser o produto de organizações locais fortes que, no momento presente, não se distinguem exatamente pela homogeneidade". Verdade tão respeitável e tão incontestável como a que afirma a necessidade de educar pessoas para formar organizações políticas fortes. Verdade, porém, não menos estéril. Toda questão "movimenta-se em um círculo vicioso", pois, toda a vida política é uma cadeia sem-fim composta de um número infinito de elos. A arte do político consiste precisamente em encontrar o elo e a ele agarrar-se fortemente, o elo mais difícil de escapar das mãos, o mais importante naquele momento, e que garanta a seu possuidor a melhor forma de manter toda a cadeia*1. Se tivéssemos uma equipe de pedreiros experientes, suficientemente solidários para poder colocar as pedras onde é preciso (falando de forma. a abstrata, isto não é impossível de todo), mesmo sem um cordão de afinhamento, poderíamos, talvez, agarrar-nos a um outro elo. Entretanto, infelizmente ainda não temos esses pedreiros experientes e solidários; e, com muita freqüência, as pedras são colocadas sem alinhamento, ao acaso, a tal ponto deslocadas que basta ao inimigo um sopro para dispersá-las, não como se fossem pedras, mas sim, grãos de areia.
Outra comparação: “O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo; é também um organizador coletivo. A esse respeito, pode-se compará-lo aos andaimes que se levantam ao redor de um edifício em construção; constitui o esboço dos contornos do edifício, facilita as comunicações entre os diferentes construtores, permitindo-lhes que repartam a tarefa e atinjam o conjunto dos resultados obtidos pelo trabalho organizado*2. Pode-se realmente dizer que, da parte de um literato, de um homem especializado no trabalho de gabinete, haveria um exagero de seu papel? Os andaimes não são de modo algum necessários à construção em si; são feitos com material da pior qualidade; são utilizados durante um curto período de tempo e atirados ao fogo antes de estar a obra terminada. No que diz respeito à construção de organizações revolucionárias, a experiência confirma que, por vezes, é possível construí-las mesmo sem andaimes - como em 1870-1880. Mas, nesse momento, não podemos sequer imaginar a possibilidade de construir sem andaimes o edifício de que necessitamos.
Nadejdine não está de acordo com isto, e diz: "Em torno desse jornal, por esse jornal, o povo reunir-se-á e organizar-se-á para a ação; assim pensa o Iskra. Mas, isto será feito de modo muito mais rápido através da reunião e da organização em torno de um trabalho mais concreto!" Certo, certo: "de modo muito mais rápido em torno de um trabalho mais concreto”... 0 provérbio russo diz: "Não cuspa no poço, pois precisará da água para saciar a sua sede." Mas há quem não se importe de saciar a sede em poço onde se cuspiu. Nessa busca do mais concreto, quantas infâmias não foram levados a dizer e a escrever os nossos notáveis "críticos" legais "do marxismo” e os admiradores ilegais da Rabótchaia Mysl. Como nosso movimento está comprimido pela nossa estreiteza, nossa falta de iniciativa e de ousadia, justificadas por argumentos tradicionais semelhantes àquele que afirma ser muito mais rápido reunir-se em torno de um trabalho mais concreto! E Nadejdine, que pretende ser particularmente dotado do senso das "realidades", que condena tão severamente os homens “de gabinete", que (com pretensões de sagacidade) recrimina o Iskra por sua fraqueza em ver por toda a parte o "economismo", que imagina estar muito acima dessa divisão em ortodoxos e críticos, Nadejdine não percebe que, através de seus argumentos, faz o jogo dessa estreiteza que o indigna, e que também bebe nos poços onde se cuspiu! Sim, a indignação mais sincera contra a estreiteza, o desejo mais ardente de desiludir aqueles que a reverenciam não são o bastante, se aquele que se indigna, erra ao sabor dos ventos, sem velas nem leme, e se se aferra instintivamente”, tal como os revolucionários de 1870-1880, ao "terrorismo excitativo”, ao "terrorismo agrário”, ao "toque a rebate" etc. Vejamos, agora. em que consiste esse "algo de mais concreto" em torno do qual, pensa o autor, “será feita de modo muito mais rápido" a reunião e a organização: 1º) jornais locais; 2º) preparação de manifestações; 3º) ação entre os sem-trabalho. Vê-se, à primeira vista, que todas essas coisas foram tomadas ao completo acaso, ao azar, unicamente para dizer alguma coisa, pois, qualquer que seja o modo com que sejam consideradas, seria um verdadeiro absurdo que aí se encontrasse algo especialmente suscetível de levar à "reunião e organização". Além disso, o próprio Nadejdine declara duas páginas adiante: “Já é tempo de constatarmos simplesmente esse fato: na província o trabalho é ínfimo, os comitês não fazem um décimo do que poderiam... os centros de unificação que possuímos, atualmente, são apenas ficção, burocratismo revolucionário, mania geral de se atacar mutuamente, e assim será enquanto não forem constituídas organizações locais fortes.” Essas palavras, ainda que exageradas, encerram incontestavelmente uma grande e amarga verdade; mas, como Nadejdine não enxerga, que o trabalho local ínfimo é resultado da estreiteza de visão dos militantes, da pequena envergadura de sua ação, coisas inevitáveis devido à falta de preparação dos militantes confinados ao quadro das organizações locais? Teria esquecido, tal como o autor do artigo publicado, na Svoboda sobre a organização, que em seus primórdios a formação de uma grande imprensa local (a partir de 1898) foi acompanhada por uma intensificação especial do “economismo” e do "trabalho artesanal"? E mesmo que fosse possível organizar de forma conveniente “uma grande imprensa local" (cuja impossibilidade, salvo raríssimas exceções, já demonstramos anteriormente), as organizações locais não poderiam "reunir e organizar" todas as forças de revolucionários para uma ofensiva geral contra a autocracia, para a direção da luta comum. Não se esqueçam que, aqui, trata-se unicamente de um jornal como “fator de recrutamento", de organização, e que poderíamos devolver a Nadejdine, campeão do fracionamento, a questão irônica que ele próprio nos coloca: “Teríamos recebido como herança 200.000 organizadores revolucionários?" Além disso, não seria possível opor a preparação de manifestações” ao plano do Iskra, pela simples razão de esse plano prever justamente as manifestações de maior repercussão como um dos objetivos a atingir; porém, aqui se trata de escolher o meio prático. Mais uma vez Nadejdine enveredou por um caminho falso; esqueceu que apenas um exército já “recrutado e organizado” pode “preparar" manifestações (que até agora, na grande maioria dos casos, desenrolaram-se de maneira espontânea). Ora, o que exatamente não sabemos fazer, é recrutar e organizar. “Ação entre os sem-trabalho.” Sempre a mesma confusão, pois aí também se trata de uma operação militar de uma tropa mobilizada, e não de um plano de mobilização de tropas. Veremos até que ponto Nadejdine ainda subestima o prejuízo que nos causou nosso fracionamento, a ausência entre nós de “200.000 organizadores”. Muitos (entre eles Nadejdine) recriminaram o Iskra por fornecer precárias informações sobre o desemprego, e dar apenas notícias fortuitas sobre as ocorrências mais comuns da vida rural. A recriminação tem fundamento; nesse caso, porém, o Iskra é “culpado sem ter culpa". Esforçamo-nos para “esticar nosso cordão" também no campo; mas aí quase não há pedreiros; é preciso que encorajemos todos aqueles que nos comunicam os fatos, mesmo os mais corriqueiros, na esperança de que isso aumente o número de nossos colaboradores nesse campo, e que nos ensine, a todos, a escolher, afinal, os fatos verdadeiramente relevantes. Mas, a documentação para o estudos é tão restrita que, se não for difundida para toda a, Rússia, decididamente nada teremos para nos instruir.
Naturalmente, um homem que possua algumas das capacidades de agitador de Nadejdine e seu conhecimento da vida dos vagabundos poderia, através de agitação efetuada entre os sem-trabalho, prestar serviços inestimáveis ao movimento; porém, esse homem desperdiçaria seu talento se não se preocupasse em colocar todos os camaradas russos ao corrente do menor progresso de sua ação, a fim de dar exemplo e informações às pessoas que, em sua grande maioria, nem mesmo sabem ainda juntar-se a essa tarefa, que lhes é desconhecida.
Hoje, sem exceção, todos falam da importância que se atribui à unificação, da necessidade de “recrutar e organizar"; mas a maior parte das vezes não se tem idéias definidas sobre a questão de saber por onde começar e como realizar essa unificação. Sem dúvida estarão de acordo que para "unificar", por exemplo, os círculos de bairro de uma cidade, é preciso que haja instituições comuns, isto é, não apenas o nome comum de “união”, mas um verdadeiro trabalho comum, uma troca de documentação, experiência e forças, uma partilha de funções para cada atividade dentro da cidade, não somente por bairros, mas por especialidades. Todo mundo concordará que um aparelho clandestino sério não poderá realizar seus encargos (se for permitido empregar essa expressão comercial), se estiver limitado aos “recursos” (materiais e humanos, bem entendido) de um único bairro, e que o talento de um especialista não poderá ser desenvolvido em campo de ação tão restrito. Isso também ocorre em relação à união das diferentes cidades, pois a história de nosso movimento social-democrata já demonstrou e mostra que o campo de ação de uma localidade isolada é extremamente limitado: isto já foi provado anteriormente, de forma detalhada, pelo exemplo da agitação política e do trabalho de organização. É preciso - e indispensável - antes de tudo, alargar esse campo de ação, criar uma ligação efetiva entre as cidades à base de um trabalho regular comum, pois o fracionamento reprime as faculdades daqueles que, "encerrados em uma torre” (segundo a expressão do autor de uma carta ao Iskra), ignoram o que se passa no mundo, não sabem com quem se informar, como adquirir a experiência, como satisfazer sua sede de uma ação extensa. E insisto em sustentar que apenas se pode começar a criar essa ligação efetiva com um jornal comum, empresa única e regular para toda a Rússia, que resumirá as mais variadas atividades e incitará as pessoas a progredir constantemente por todos aqueles numerosos caminhos que conduzem à revolução, da mesma forma e todos os caminhos levam a Roma. Se queremos nos unir não apenas em palavras, é preciso que cada círculo local imediatamente reserve, digamos, um quarto de suas forças para a participação ativa na obra comum. E o jornal mostrará prontamente*3 os contornos gerais, as proporções e o caráter dessa obra; as lacunas que se fazem sentir mais fortemente na ação conduzida em escala nacional, os lugares onde a agitação é deficiente e onde a ligação é precária, as engrenagens do imenso mecanismo comum que o círculo poderia reparar ou substituir por outras melhores. Um círculo, que ainda não trabalhou e procura fazê-lo, poderia começar não como um artesão isolado em sua pequena oficina, que não conhece nem a evolução anterior da "indústria", nem o estado geral dos meios de produção industrial, mas como o colaborador de uma grande empresa que reflete o impulso revolucionário geral contra a autocracia. E quanto mais perfeito fosse o acabamento de cada engrenagem, mais numerosos seriam os trabalhadores empregados nos diferentes detalhes da obra comum, mais densa seria nossa rede, e menores as inevitáveis detenções a perturbar nossos escalões.
A própria função de difusão do jornal começaria a criar uma ligação efetiva (se esse jornal fosse digno do nome, isto é, se aparecesse regularmente e não uma vez por mês, como as grandes revistas, mas cerca de quatro vezes por mês). As relações entre cidades quanto às necessidades da causa revolucionária são, hoje, muito raras e, quando existem, constituem exceção; tornar-se-iam, então, uma regra e assegurariam, bem entendido, não apenas a difusão do jornal, mas também (o que é mais importante) a troca de experiências, documentação, forças e recursos. O trabalho de organização assumiria amplitude muito mais considerável, e o sucesso obtido em uma localidade encorajaria constantemente o aperfeiçoamento do trabalho, incitaria o aproveitamento da experiência já adquirida pelos camaradas que militassem em outro ponto do país. O trabalho local ganharia infinitamente em extensão e variedade; as revelações políticas e econômicas coletadas em toda a Rússia forneceriam o alimento intelectual aos operários de todas as profissões e todos os graus de desenvolvimento; forneceriam material e oportunidade para debates e conferências sobre as mais variadas questões, suscitadas, também, pelas alusões da imprensa legal, pelas conversas em sociedade e pelos "tímidos" comunicados do governo. Cada explosão, cada manifestação seriam apreciadas e examinadas sob todos os seus aspectos, em todos os pontos da Rússia; provocaria o desejo de não se ficar atrás dos outros, de se fazer melhor que os outros - (nós, socialistas, não recusamos absolutamente qualquer forma de emulação e “competição"!) - de preparar conscientemente o que antes fora feito de forma espontânea, de aproveitar as circunstâncias favoráveis de tempo ou de lugar para modificar o plano de ataque etc. Além disso, essa reanimação do trabalho local não conduziria a essa tensão desesperada, in extremis, de todas as forças, a esse estado de alerta de todos os nossos homens, a que nos obriga ordinariamente, hoje, toda manifestação ou número de jornal local: de um lado, a polícia teria muito mais dificuldade para descobrir as "raízes", não sabendo em qual localidade procurá-las;de outro lado, o trabalho comum regular ensinaria os homens a adequar um determinado ataque ao estado das forças desse ou daquele destacamento de nosso exército comum (o que, hoje, quase ninguém pensa, pois, em cada dez ataques, nove produzem-se espontaneamente) e facilitaria o "transporte" não apenas da literatura de propaganda, mas de forças revolucionárias, de um lugar ao outro.
Atualmente, em sua maioria, essas forças são exauridas no estreito campo de ação do trabalho local. Mas, então, haveria a possibilidade e a oportunidade constantes de transferir de um extremo a outro do país todo agitador ou organizador pouco capaz. Após terem começado por pequenas viagens para tratar de assuntos do Partido, às custas do Partido, os militantes estariam habituados a viver inteiramente por conta do Partido; tornar-se-iam revolucionários profissionais e preparar-se-iam para o papel de verdadeiros chefes políticos.
E se realmente chegássemos a obter que a totalidade ou a maior parte dos comitês, grupos e círculos locais se associassem ativamente para a obra comum, poderíamos em breve elaborar um semanário, regularmente divulgado em dezenas de milhares de exemplares em toda a Rússia. Esse jornal seria parte de um gigantesco fole de urna forja que atiçasse cada fagulha da luta de classes e da indignação popular, para daí fazer surgir um grande incêndio. Em torno dessa obra em si ainda inofensiva e pequena, mas regular e comum no pleno sentido da palavra, um exército permanente de lutadores experimentados seria sistematicamente recrutado e instruído. Sobre os andaimes e cavaletes dessa organização comum em construção, logo veríamos subir, saídos das fileiras de nossos revolucionários, os Jeliabov sociais-democratas e, saídos das fileiras de nossos operários, os Bebel russos que, à frente desse exército mobilizado, levantariam todo o povo para fazer justiça à vergonha e à maldição que pesam sobre a Rússia.
É com isto que precisamos sonhar!
“É preciso sonhar!" Escrevo essas palavras e de repente tenho medo. Imagino-me sentado no "congresso de unificação”, tendo à minha frente os redatores e colaboradores do Rabótcheie Dielo. E eis que se levanta o camarada Martynov e, ameaçador, dirige-me a palavra: “Mas, permita-me perguntar! Uma redação autônoma ainda tem o direito de sonhar sem ter comunicado tal fato aos comitês do Partido?" Depois, é o camarada Kritchévskí que se dirige a mim e (aprofundando filosoficamente o camarada Martynov, que há muito tempo já aprofundara o camarada Plekhânov) continua ainda mais ameaçador: "Irei mais longe. Pergunto-lhe: um marxista tem, em geral, o direito de sonhar, se já não esqueceu, segundo Marx, que a humanidade sempre se atribuí tarefas realizáveis, e que a tática é um processo de crescimento das tarefas do Partido, que crescem junto com o Partido?”
À simples idéia dessas questões ameaçadoras sinto um calafrio, e penso apenas em uma coisa: onde me esconder. Tentemos nos esconder atrás de Pissarev.
“Há desacordos e desacordos", escrevia Pissarev sobre o desacordo entre o sonho e a realidade. “Meu sonho pode ultrapassar o curso natural dos acontecimentos, ou desviar-se para uma direção onde o curso natural dos acontecimentos jamais poderá conduzir. No primeiro caso, o sonho não produz nenhum mal; pode até sustentar e reforçar a energia do trabalhador... Em tais sonhos, nada pode corromper ou paralisar a força de trabalho. Ao contrário. Se; o homem fosse, completamente desprovido da faculdade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando adiantar o presente e contemplar em imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado da obra que apenas se esboça em suas mãos, eu não poderia decididamente compreender o que levaria o homem a empreender e realizar vastos e fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática... O desacordo entre o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o homem acredita seriamente em seu sonho, se observa atentamente a vida, compara suas observações com seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha conscientemente para a realização de seu sonho. Quando existe contato entre o sonho e a vida, tudo vai bem”.
Infelizmente há poucos sonhos dessa espécie em nosso movimento. E a culpa é sobretudo de nossos representantes da crítica legal e do “seguidismo" ilegal, que se gabam de sua ponderação, de seu "senso” do "concreto”.
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*1 Camarada Kritchévski e camarada Martynov: chamo sua atenção para essa revoltante manifestação de "autocratismo", de "autoridade incontrolada”, de “regulamentação suprema" etc. Como favor, quer ele se apoderar de toda a cadeia! Redijam depressa uma queixa. Aí há assunto para dois editoriais do nº 12 do Rabótcheie Dielo!
*2 Martynov, que cita a primeira frase dessa passagem no Rabótcheie Dielo (nº 18 p.62), omite exatamente a segunda, como se quisesse mostrar sua intenção de não tocar no fundo da questão, ou sua incapacidade de compreendê-la.
*3 Com uma reserva: se aprovar a orientação desse jornal e julgar útil à causa tornar-se seu colaborador, entendendo-se por isso não apenas a colaboração literária, mas toda colaboração revolucionária em geral. Nota para o Rabótcheie Dielo: subtende-se essa reserva para os revolucionários que apreciam o trabalho em lugar de brincar de "democratismo, que não separam a “simpatia" da participação mais ativa e mais real.


C) Qual é o tipo de organização de que necessitamos?

0 leitor pode ver, pelo que foi dito anteriormente, que nossa "tática-plano" consiste em recusar o apelo imediato à ofensiva, em exigir a organização de um "assédio em regra da fortaleza inimiga", ou dito de outra forma: em exigir a concentração de todos os esforços para recrutar, organizar e mobilizar um exército permanente. Quando zombamos do Rabótcheie Dielo, que de um salto abandonou o “economismo" para atirar-se aos gritos sobre a necessidade da ofensiva (gritos que irromperam em abril de 1901, no nº' 6 do Listok do "Rabótcheie Dielo"), este jornal naturalmente nos atacou, acusando-nos de "doutrinarismo", de incompreensão do dever revolucionário, de apelo à prudência etc. Naturalmente, tais acusações, na boca dessa gente, não nos surpreenderam absolutamente, pois, não tendo essas pessoas princípios estáveis, ocultam-se atrás da profunda "tática processo”; também não nos surpreenderam as acusações de Nadejdine, que manifesta apenas o mais soberbo desprezo pelos princípios firmes de programa e de tática.
Diz-se que a história não se repete. Nadjdine esforça-se de todas as maneiras para repeti-lo e imita com ardor Tkatchev, denegrindo "a educação revolucionária”, clamando sobre a necessidade de "fazer soar o toque de rebate", pregando o "ponto de vista particular da aurora da revolução" etc. Ao que parece, Nadejdine esquece a conhecida frase que diz: se o original de um acontecimento histórico é uma tragédia, sua cópia é apenas uma farsa. A tentativa de tomada do poder, preparada pela propaganda de Tkatchev e realizada pelo terror, instrumento de "intimidação” e que realmente intimidava nessa época, era majestosa, enquanto o terrorismo "excitativo” desse Tkatchev em ponto pequeno é simplesmente ridículo, e ridículo sobretudo quando se combina a seu projeto de organização dos trabalhadores médios.
"Se o Iskra", escreve Nadejdine, "saísse da esfera da literatura falsificada, veria que tais coisas (por exemplo, a carta de um operário publicada no nº 7 do Iskra etc.) são sintomas que atestam que a "ofensiva"' está muito, muito próxima, e que falar agora (sic) de uma organização onde todos os fios estariam unidos a um jornal para toda a Rússia, é produzir idéias abstratas e trabalho de gabinete em profusão." Vejam um pouco essa confusão inimaginável! De um lado, prega-se o terrorismo excitativo e "a organização dos trabalhadores médios", declarando que isso "será feito de modo muito mais rápido pelo agrupamento em torno de algo "mais concreto", por exemplo, em torno de jornais locais; de outro lado, pretende-se que falar "agora" de uma organização para toda a Rússia, é produzir em profusão idéias abstratas, isto é, para ser mais franco e simples, que "agora" já é muito tarde! E também não será muito tarde, respeitável L.Nadejdini para uma "organização ampla de jornais locais"?
Comparem a isso o ponto de vista e a tática do Iskra: o terrorismo excitativo é uma infântilidade; falar da organização particular dos trabalhadores médios e de uma ampla organização de jornais locais é escancarar as Portas ao “economismo”. E preciso falar de uma única organização de revolucionários para toda a Rússia, e não será tarde para falar dela mesmo no próprio momento em que começar a verdadeira ofensiva, e não uma ofensiva formulada no papel:

“Sim”, prossegue Nadejdine, "no que diz respeito à organização, nossa situação está longe de ser brilhante; sim, o Iskra tem toda a razão de dizer que o grosso de nossas forças militares é constituída de voluntários e insurretos... Está certo que considerem efetivamente o estado de nossas forças. Mas, por que se esquecem que a multidão absolutamente não está conosco e que, por conseguinte, não nos perguntará quando será preciso abrir as hostilidades e lançar-se ao 'motim'... Quando a própria multidão intervir com sua força destrutiva espontânea, será capaz de triturar, de esmagar o "exército regular”, onde foi proposto que se procedesse a uma organização rigorosamente sistemática, que não houve tempo de se realizar". (0 grifo é nosso).

Lógica espantosa! Precisamente porque "a multidão não está conosco?”, é pouco razoável e inconveniente proclamar "a ofensiva” imediata, pois a ofensiva significa o ataque de um exército regular, e não a explosão espontânea de uma multidão. Precisamente porque a multidão é capaz de triturar e esmagar o exército regular, é absolutamente necessário que nosso trabalho de "organização rigorosamente sistemática", no exército regular, "combine-se" ao impulso espontâneo, pois haverá maiores oportunidades para que o exército regular não seja esmagado pela multidão, mas marche à sua frente, se nos apressarmos em proceder a essa organização. Nadejdine, engana-se, porque imagina que esse exército organizado sistematicamente age de forma a afastar-se da multidão, enquanto, na realidade, ocupa-se de uma agitação política intensificada e multiforme, isto é, de um trabalho que tende justamente, a aproximar e fundir em um todo a força destrutiva espontânea da multidão e a força destrutiva consciente da organização dos revolucionários. A verdade é que os Senhores atribuem aos outros suas próprias faltas; e é precisamente o grupo Svoboda que, introduzindo o terrorismo no programa, exorta assim à criação de uma organização de terroristas, ora, tal organização impediria verdadeiramente nosso exército de se aproximar da multidão que, infelizmente, ainda não está conosco, e, infelizmente, não nos pergunta ou raramente nos pergunta, como e quando é preciso abrir as hostilidades.
“Não veremos chegar a revolução”, continua Nadejdine amedrontando o Iskra, “como não vimos chegar os acontecimentos atuais, acontecimentos que nos apanharam de surpresa". Esta frase, juntamente com as citadas anteriormente, demonstra-nos claramente o absurdo do "ponto de vista da aurora da revolução”* 1, elaborado pela Svoboda. Esse "ponto de vista" especial reduz-se, propriamente, a proclamar que "agora” é muito tarde para deliberar e preparar-se. Mas, então, respeitável inimigo da 1iteratura falsificada", por que escrever 132 páginas impressas sobre “os problemas de teoria*2 e de tática"? Será que não percebem que, do "ponto de vista da aurora da revolução” seria melhor lançar 132.000 folhas volantes com esse breve apelo: "Abaixo o inimigo!"
Aqueles que como o Iskra colocam a agitação política entre todo o povo à base de seu programa, de sua tática e de seu trabalho de organização, correm menos riscos de deixar a revolução acontecer sem percebê-la. As pessoas que, em toda a Rússia, ocupam-se em trançar os fios de uma organização, fios a serem ligados a um jornal para toda a Rússia, não deixaram de perceber os acontecimentos da primavera; ao contrário, ofereceram-nos a possibilidade de predizê-los. Não deixaram passar desapercebidas as manifestações descritas nos números 13 e 14 do Iskra: ao contrário, compreendendo seu dever de auxiliar o impulso espontâneo da multidão, participaram dessas manifestações e, ao mesmo tempo, contribuíram através de seu jornal para que todos os camaradas russos percebessem o seu caráter e utilizassem sua experiência. Se continuarem vivos, verão acontecer a revolução que exigirá de todos nós, antes e acima de tudo, a experiência em matéria de agitação, e que saibamos sustentar (à maneira social-democrata) todos os protestos, dirigir o movimento espontâneo e preservá-lo dos erros dos seus amigos e ciladas dos seus, inimigos!
Chegamos, assim, à última consideração que nos força a insistir, de forma particular, no plano de organização em torno de um jornal para toda a Rússia, através da colaboração de todos para esse jornal comum. Apenas essa organização poderá assegurar ao empreendimento de combate social-democrata a flexibilidade indispensável, isto é, a faculdade "de evitar a batalha em terreno descoberto com um inimigo numericamente superior, que concentrou suas forças em um único ponto e a faculdade de aproveitar a incapacidade do inimigo, quanto à estratégia militar, para atacá-lo onde e quando menos o espera*3". Seria um gravíssimo erro estruturar a organização do Partido contando apenas com as manifestações e combates de rua, ou com "a marcha progressiva da obscura luta cotidiana". Devemos realizar sempre nosso trabalho cotidiano e devemos estar sempre prontos para tudo, porque com muita freqüência é quase impossível prever a alternância dos períodos de explosão e dos períodos de calma momentânea; e quando é possível prevê-los, não se pode tirar partido disso para remanejar a organização, pois, em um país autocrático, a situação muda com assombrosa rapidez: às vezes basta uma batida noturna dos janizaros tzaristas. E não seria possível imaginar a própria revolução sob a forma de um ato único (como parecem fazer os Nadejdine): a revolução será uma sucessão rápida de explosões mais ou menos violentas, alternando-se algumas fases de calma momentânea mais ou menos profunda. Por isso, a atividade essencial de nosso Partido, o palco de sua atividade, deve consistir em um trabalho que seja possível e necessário tanto nos períodos de explosões mais violentas como nos de calma absoluta, isto é, deve consistir em um trabalho de agitação política unificada para toda a Rússia, que ilumine todos os aspectos de vida e dirija-se às massas em geral. Ora, esse trabalho é inconcebível na Rússia atual, sem um jornal que interesse a todo o país e apareça com bastante freqüência. A organização a ser constituída por si mesma em torno desse jornal, a organização de seus colaboradores (no sentido amplo de palavra, isto é, todos aqueles que trabalham para ele) estará pronta para tudo, para salvar a honra, o prestígio e a continuidade no trabalho do Partido nos momentos de grande “depressão” dos revolucionários, e para preparar, determinar o início e realizar a insurreição armada do povo.
Suponhamos que ocorram prisões, o que é muito comum entre nós, em uma ou várias localidades. Como todas as organizações locais não trabalham em uma única obra comum e regular, essas detenções são seguidas, freqüentemente, pela suspensão da atividade por vários meses. Mas, se todas trabalhassem para uma obra comum, mesmo que as detenções fossem muitas, bastaria algumas semanas e duas ou três pessoas enérgicas para restabelecer o contato dos novos círculos de jovens com o organismo central, círculos esses que, mesmo agora, surgem de maneira muito rápida, e que surgiriam e estabeleceriam ligações com esse centro de modo ainda muito mais rápido se essa obra comum, que sofre as conseqüências das detenções, fosse bem conhecida de todos.
Suponhamos, por outro lado, que houvesse uma insurreição popular. Sem dúvidas, hoje todos concordam que devemos pensar e nos preparar para isso. Mas como preparar-nos? Terá um Comitê central que designar agentes em todas as localidades para preparar a insurreição? Mesmo que tivéssemos um comitê central que tomasse essa medida, nada poderia obter nas condições atuais da Rússia. Ao contrário, uma rede de agentes*4 que se formasse por si própria trabalhando para a criação e a difusão de um jornal comum, não “esperaria de braços cruzado” a palavra de ordem de insurreição; realizaria exatamente uma obra regular, que lhe permitiria maiores chances de sucesso, em caso de insurreição. Obra essa que reforçaria os laços com as massas operárias, em geral, e todas as camadas da população descontentes com a autocracia, o que é tão importante para a insurreição. É fazendo esse trabalho que aprenderíamos a avaliar, exatamente a situação política geral e, por conseguinte, a escolher o momento favorável à insurreição. É nesta espécie de ação que todas as organizações locais aprenderiam a reagir simultaneamente aos problemas, incidentes ou acontecimentos políticos que apaixonam toda a Rússia, a responder a esses “acontecimentos” da forma mais enérgica, uniforme, e racional possível. Pois, no fundo, a insurreição constituí a "resposta" mais enérgica, uniforme e racional de todo o povo ao governo. Tal ação ensinaria, de forma precisa, a todas as organizações revolucionárias, em todos os pontos da Rússia, a manter entre si relações mais regulares e, ao mesmo tempo, mais clandestinas, relações que dariam origem à unidade efetiva - do Partido, e sem as quais é impossível discutir coletivamente o plano de insurreição e tomar, às vésperas dessa insurreição, as medidas preparatórias necessárias, que devem ser mantidas no mais rigoroso sigilo.
Em uma palavra, o "plano de um jornal político para toda a Rússia" não é fruto de trabalho de gabinete, realizado por pessoas corrompidas pelo doutrinarismo e pela 1iteratura falsificada” (como pareceu a pessoas que não refletiram o bastante sobre ele); ao contrário, é o plano mais prático para que nos possamos preparar para a insurreição, imediatamente e de todos os lados, sem que o trabalho normal e cotidiano seja esquecido por um instante.
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*1 Às Vésperas da Revolução, p. 62.
*2 Aliás, em sua “vista d’olhos nos problemas de teoria”, L.. Nadejdine quase nada disse sobre a teoria, salvo a seguinte passagem, extremamente curiosa do “ponto de vista da aurora da revolução”: "A bernsteiniada, em seu conjunto, perde nesse momento sua acuidade, de forma que para nós tanto faz se é o Sr. Adamovitch quem diz ser o Sr. Struve quem merece a punição, ou o contrário. se é o Sr. Struve quem responde a Adamovitch. recusando-se a aceitar a demissão, pois, aproxima-se o momento decisivo da revolução" (p. 110). Seria difícil ilustrar com maior relevância a despreocupação sem limites de L. Nadejdine pela teoria. Como proclamamos já estarmos “às vésperas da revolução”, para nós “tanto faz” que os ortodoxos consigam ou não desalojar definitivamente os críticos de sua posição! E o nosso sábio não nota que é precisamente durante a revolução que necessitaremos dos resultados de nossa luta teórica contra os críticos, para combater resolutamente suas posições práticas!
*3 Iskra, nº' 4. “Por Onde Começar?” - "Os educadores revolucionários, que não adotam o ponto de vista da aurora da revolução, não se deixam de forma alguma perturbar pela extensão do trabalho”, escreve Nadejdine (p. 62). Quanto a isso faremos a seguinte observação: se não soubermos elaborar uma tática política, um plano de organização para um período bastante longo, e que assegure, pelo próprio processo desse trabalho, a preparação de nosso partido para ocupar seu posto e cumprir o seu dever nas circunstâncias mais inesperadas, por mais rápido que seja o curso dos acontecimentos. não seremos mais do que miseráveis aventureiros políticos. Somente Nadejdine, que desde ontem se dá o título de social-democrata, poderia esquecer que a social-democracia tem por objetivo a transformação radical das condições de vida de toda a humanidade, e que, por conseguinte, não é permitido a um social-dernocrata deixar-se “perturbar" pela extensão do trabalho.
*4 "Ai, ai! Eis que me escapou de novo a horrível palavra "agente", que tanto fere o ouvido democrático dos Martynov! Parece estranho que tal palavra não tenha ferido os corifeus da década de 70, e magoe os diletantes da década de 90. Essa palavra me agrada, pois indica nitidamente e com precisão a causa comum à qual todos os agentes subordinam seus pensamentos e ações, e se fosse preciso substitui-la por outra, apenas poderia pensar na palavra “colaborador”, se não tivesse certo sabor de literatura falsificada e de amorfísmo. Ora, precisamos de urna organização militar de agentes. Quanto ao resto, os Martynov, tão numerosos (principalmente no estrangeiro), e que de bom grado se ocupam em “promoverem-se mutuamente a general", poderiam dizer, no lugar de “agente do serviço de passaportes”, “comandante-chefe de uma divisão especial para o suprimento de passaportes aos revolucionários” etc.

Conclusão

A história da social-democracia russa divide-se nitidamente em três períodos.
O primeiro abrange uma dezena de anos, aproximadamente de 1884 a 1894. Foi o período do nascimento e consolidação da teoria e do programa da social-democracia. Os partidários da nova orientação na Rússia eram contados nos dedos. A social-democracia existia sem o movimento operário, e atravessava, como partido político, um período de gestação.
O segundo período estende-se por três ou quatro anos, de 1894 a 1898. A social-democracia vem ao mundo como movimento social, como ascensão das massas populares, como partido político. É o período da infância e da adolescência. Com a rapidez de uma epidemia, o entusiasmo geral pela luta contra o populismo propaga-se entre os intelectuais, que vão aos operários, bem corno difunde-se o entusiasmo geral dos operários pelas greves. O movimento faz enormes progressos. A maior parte dos dirigentes é constituída por jovens, que ainda não atingiram e ainda estão longe, "dos trinta, e cinco anos", que o Sr. N. Mikhailóvski considerava como uma espécie de limite natural. Por causa de sua juventude, revelam-se pouco preparados para o trabalho prático e saem de cena com muita rapidez. Na maioria das vezes, porém, seu trabalho apresentava grande amplitude. Muitos dentre eles tinham começado a pensar como revolucionários, como narodovoltsy. Quase todos, em sua primeira juventude, haviam cultuado os heróis do terror.
Para subtraí-los à sedução dessa tradição heróica, foi preciso lutar, romper com pessoas que queriam a qualquer custo permanecer fiéis à "Narodnaia Volia”, e a quem os jovens sociais-democratas tinham em alta estima. A luta impunha instruir-se, ler obras ilegais de todas as tendências, ocupar-se intensamente dos problemas do populismo legal.
Formados nessa luta, os sociais-democratas iam ao movimento operário, sem esquecer "um instante” a teoria marxista que os iluminava como uma- luz brilhante, ou o objetivo de derrubar a autocracia. A formação de um Partido, na primavera de 1898, foi o fato mais marcante e ao mesmo tempo o último ato dos sociais-democratas desse período. Í
O terceiro período anuncia-se, como vimos, em 1897 e substitui definitivamente o segundo período em i898 (1898-?). E o período de dispersão, de desagregação, de vacilação. Tal como entre os adolescentes ocorre a mudança de voz, também a voz da social-democracia russa desse período começou a mudar, a soar falso - de um lado, nas obras dos Senhores Struve e Prokopovitch, Bulgakov e Berdiaiev; de outro, entre V.I. e R. M., entre B. Kritchévski e Martynov.
Mas somente os dirigentes erravam, cada um de seu lado, e retrocediam: o movimento continuava a estender-se, a avançar a passos de gigante. A luta proletária ganhava novas camadas de operárias e propagava-se através da Rússia, contribuindo ao mesmo tempo, indiretamente, para reanimar o espírito democrático entre os estudantes e as outras categorias da população. Mas a consciência dos dirigentes cedeu diante da grandeza e força do impulso espontâneo, entre os sociais- democratas já predominava uma outra fase, a dos militantes alimentados quase que unicamente pela literatura marxista "legal"; esta era cada vez mais insuficiente, à medida em que a espontaneidade das massas exigia desses militantes um maior grau de consciência. Os dirigentes não apenas ficaram para trás no plano teórico (“liberdade de critica”), como também no plano prático ("métodos artesanais de trabalho"), e ainda procuraram justificar seu atraso com toda espécie, de argumentos grandiloqüentes. A social-democracia foi nivelada ao sindicalismo, tanto pelos brentanistas da literatura legal como pelos seguidores da literatura ilegal. O programa do Credo começou a se realizar, principalmente quando o “trabalho artesanal" dos sociais-democratas, reanimou as tendências revolucionárias não sociais-democratas.
E se o leitor me recrimina por ter me ocupado demasiadamente de um jornal como o Rabótcheie Dielo, responderei: O Rabótcheie Dielo assumiu importância "histórica”, porque traduziu da forma mais relevante o “espírito” desse terceiro período*1. Não era o conseqüente R. M., mas Kritchévski e Martynov, que giram como cata-vento, que podiam exprimir da melhor forma a dispersão e as oscilações, o empenho em fazer concessões à "crítica", ao "economismo", e ao terrorismo. Não é o majestoso desdém pela prática, de um admirador

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qualquer do "absoluto" que caracteriza esse período, mas exatamente a conjugação de um praticismo mesquinho e da mais completa despreocupação em relação à teoria. Os heróis desse período não se preocuparam tanto em negar diretamente as "grandes frases” como em banalizá-las: o socialismo científico deixou de ser um corpo de doutrina revolucionária e tornou-se uma mistura confusa, à qual foi acrescentado "livremente" o conteúdo de qualquer manual alemão novo; a palavra de ordem, “luta de classes", não conduzia a uma ação cada vez mais extensa e enérgica - servia de emoliente, pois a “luta econômica está indissoluvelmente ligada à luta política", a idéia de partido não estimulava a criação de uma organização revolucionária de combate, justificando uma espécie de “burocratismo revolucionário" e uma tendência pueril em brincar com as formas “democráticas".
Ignoramos quando terminará o terceiro período e terá início o quarto (que, em todo caso, já se anuncia por numerosos sintomas). Do domínio da história, passamos aqui para o domínio do tempo presente e, em parte, para o do futuro. Mas. temos a firme convicção que o quarto período conduzirá à consolidação do marxismo militante: que a social-democracia russa sairá da crise mais forte e viril: que a retaguarda dos oportunistas será “rendida” pela verdadeira vanguarda da mais revolucionária das classes.
Exortando para que se faça essa "rendição" e resumindo tudo o que foi exposto anteriormente, podemos dar à pergunta “Que fazer?" uma breve resposta:
Liquidar o terceiro período.
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*1 Poderia também citar o provérbio alemão: Den Sack schlägt man, den Esel meint man (abate-se na carga e pensa-se no burro): ou o equivalente russo: Bate-se no gato, e é à nora que se mostram as faltas. São é apenas o Rabótcheie Dieto. mas também a maior parte dos militantes e teóricos apaixonaram-se pela “crítica” em moda, embaraçaram-se no problema da espontaneidade, desviaram-se da concepção social-democrata em direção à concepção sindical de nossos objetivos políticos e de: organização.

Anexo
Tentantiva de união do Iskra e do Rabótcheie Dielo



Resta-nos analisar a tática que o Iskra adotou e sistematicamente praticou em suas relações de organização com o Rabótcheie Dielo, tática que já foi perfeitamente explicada em um artigo dos Iskra, nº 1, sobre a “Cisão da União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro”. Adotamos imediatamente o ponto de vista de que a verdadeira “União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro”, reconhecida no primeiro congresso de nosso Partido pelo seu representante no estrangeiro, cindiu-se em duas organizações; que a questão da representação do Partido permanece aberta. sendo resolvida apenas provisória e condicionalmente pelo fato de dois membros representantes da Rússia terem sido designados para o Conselho Socialista Internacional Permanente, um para cada parte da “União” dividida. Declaramos que, no fundo, o Rabótcheie Dielo estava errado, deliberadamente nos colocamos, por princípio, ao lado do grupo “Liberação do Trabalho”, recusando ao mesmo tempo entrar nos detalhes da cisão e assinalamos o mérito da “União” em relação ao trabalho puramente prático*1.
Nossa posição, portanto, era até certo ponto uma posição de expectativa: concordáramos com a opinião que dominava entre a maioria dos sociais-democratas russos - de que mesmo os inimigos mais declarados do "economismo” podiam trabalhar de mãos dadas com a "União", tendo esta proclamado mais de uma vez sua concordância de princípios com o grupo "Liberação do Trabalho", sem pretender (parecia), afirmar seu caráter de independência nas questões fundamentais da teoria e tática. A correção da posição que adotamos foi confirmada, indiretamente, pelo fato seguinte: quase ao mesmo tempo em que aparecia o primeiro número do Iskra (dezembro de 1900), três membros separaram-se da "União" para formar o que se chamou "Grupo de Iniciadores”, e dirigiram-se: 1, à seção do estrangeiro da organização do lskra, 2. à organização revolucionária "social-democrata" e 3. à "União", para oferecer sua mediação nas negociações de reconciliação. As duas primeiras organizações concordaram imediatamente, a terceira recusou. A verdade é que quando um orador expôs esses fatos no congresso de “unificação” do ano passado, um membro da administração da "União" declarou que tal recusa devia-se exclusivamente ao fato de a “União” estar descontente com a composição do Grupo de Iniciadores. Julgando mau dever participar dessa explicação, não posso, contudo, deixar de notar, de minha parte, que considero tal explicação insuficiente: conhecendo o acordo das duas organizações para estabelecer as conversações, a "União" poderia dirigir-se a elas, através de outro intermediário ou diretamente.
Na primavera de 1901, a Zaria (nº 1, abril) e o Iskra (nº 4, maio) deram início a uma polêmica direta contra o Rabótcheie Dielo. O Iskra atacou sobretudo a "Virada Histórica" do Rabótcheie Dielo que, em sua edição de abril e portanto depois dos acontecimentos da primavera, mostrou-se hesitante quanto ao entusiasmo pelo terror e os apelos “sanguinolentos”.
Apesar dessa polêmica, a "União" aceitou a retomada das negociações para reconciliação através da mediação de um novo grupo de "conciliadores”. Uma conferência preliminar, composta de representantes das três organizações acima citadas realizou-se no mês de junho e elaborou um projeto de tratado à base de um "acordo de princípios”, bastante detalhado, que a "União" fez imprimir na brochura Documentos do Congresso de “Unificação”.
O conteúdo desse acordo de princípios (ou resoluções da conferência de junho, como é chamado mais freqüentemente) mostra com toda clareza que colocávamos como condição expressa dessa Unificação, a negação definitiva de todas as manifestações de oportunismo em geral, e de oportunismo russo em particular. Diz o primeiro parágrafo: "Repudiamos toda tentativa de levar o oportunismo à luta de classe do proletariado, tentativa que está traduzida no que chama de "economismo”, bernsteinismo, millerandismo, etc.” "A atividade da social-democracia compreende... a luta ideológica contra todos os adversários do marxismo revolucionário" (§ 4, letra c). “Em todas as esferas do trabalho de organização e de agitação, a social-democracia não deve perder de vista por nenhum instante a tarefa imediata do proletariado russo: a derrubada da autocracia" (§ 5, letra a); ... "a agitação não apenas no campo da luta cotidiano dos assalariados contra o capital" (§ 5, b); “não reconhecendo ... a fase da luta puramente econômica e da luta pelas reivindicações políticas específicas" (§3, c); ... “consideramos importante para o movimento a crítica das tendências que erigem em princípio.... o caráter elementar e a estreiteza das formas interiores do movimento" §5, d).
Mesmo a pessoa mais desinteressada, após ler com alguma atenção essas resoluções, verá pela própria maneira como foram formuladas, que visam aqueles que se mostraram oportunistas e “economistas”; que esqueceram, por um instante, a tarefa de derrubar a autocracia; que reconheceram a teoria dos estádios, erigida em princípio de estreiteza etc. E quem conhece, ainda que pouco, a polêmica estabelecida contra o Rabótcheie Dielo pelo grupo "Liberação do Trabalho”, a Zaria e o Iskra, não pode duvidar sequer um instante que essas resoluções rejeitam, ponto por ponto, exatamente os erros em que o Rabótcheie Dielo incorreu. Por isso, quando os membros da "União” declararam ao congresso de “unificação” que os artigos inseridos no nº 10 do Rabótcheie Dielo não eram conseqüência da nova "virada histórica" da "União", mas, do caráter desmesuradamente "abstrato*2" das resoluções, um orador teve toda razão de zombar disso. As resoluções estão longe de ser abstratas, respondeu ele; são extremamente concretas; basta um simples olhar para compreender que se queria "apanhar alguém”.
Essa última expressão daria origem, no congresso, a um episódio característico. De um lado, B. Kritchévski agarrou-se à palavra "apanhar", acreditando que se tratava de um lapso que denunciaria más intenções de nossa parte (“armar uma cilada”), e gritou pateticamente: "Quem é que se queria apanhar? – “Sim, quem?". perguntou Plekhânov, irônico. - Vou suprir a deficiência de perspicácia do camarada Plekhânov", respondeu B. Kritchévski, "vou lhe explicar quem se queria apanhar: a redação do "Rabótcheie Dielo" .(riso geral). "Mas não nos deixamos apanhar!” (exclamações à esquerda, Pior para vocês!). De outro lado, o membro do grupo "Borba" (grupo de conciliadores), falando contra as emendas da "União". às resoluções e desejoso de defender nosso orador, declarou que a palavra “apanhar” tinha sem dúvida escapado por acaso, no fogo da polêmica.
De minha parte, imagino o que semelhante "defesa" custaria ao orador que fez uso da expressão. Penso que as palavras "queria-se apanhar alguém” "foram pronunciadas em tom de brincadeira, mas levadas a sério": sempre acusamos o Rabótchiei Dielo de instabilidade e vacilações.
Portanto, é natural que se tenha desejado apanhá-lo, para tornar as vacilações impossíveis no futuro. Quanto às más intenções, tal não era a questão, pois tratava-se da instabilidade de princípios. E conseguimos "apanhar": a “União” com tanta camaradagem*3 que as resoluções de junho foram assinadas pelo próprio B. Kritchévski e um outro membro da administração da "União".
Os artigos no nº 10 do Rabótcheie Dielo (nossos camaradas só: puderam ver esse número quando chegaram ao congresso, alguns dias antes da abertura das sessões) mostraram nitidamente que, entre o Verão e o Outono, uma nova "virada" ocorrera na "União": os "economistas” haviam tomado a dianteira, outra vez, e a redação, que gira "ao sabor do vento", recomeçara a defender “os bernsteinianos mais declarados", a "liberdade de crítica" e a “espontaneidade", e a pregar pela boca de Martynov a “teoria da restrição” à esfera de nossa influência política com o objetivo, de pretensamente acentuar essa influência). A justa observação de Parvus, de que é difícil pegar um oportunista com a armadilha de uma simples assinatura, mais uma vez foi confirmada: facilmente ele assinará qualquer papel, e com a mesma facilidade negará tal assinatura, pois o oportunismo compreende exatamente a ausência de princípios determinados e firmes. Hoje os oportunistas repudiam toda tentativa de introduzir o oportunismo, e toda estreiteza, prometendo solenemente “não esquecer um só instante a derrubada da autocracia", fazer "a agitação não somente contra o capital" etc. etc. E amanhã mudam o meio de expressão e retomam os velhos métodos sob o pretexto de defender a espontaneidade, a marcha progressiva da obscura luta cotidiana, exaltando as reivindicações que deixam entrever resultados tangíveis etc.. Continuando a afirmar que nos artigos do nº 10 a "União" não via, nem vê, qualquer digressão herética dos princípios gerais que fundamentaram o projeto da conferência (Dois Congressos, p. 26), manifesta assim apenas sua total incapacidade ou sua recusa de compreender a essência das, divergências.
Após o nº 10 do Rabótcheie Dielo resta-nos apenas uma única tentativa: estabelecer uma discussão geral para nos certificar, se toda a "União" está solidária com esses artigos e com seu comitê de redação. E é isto que desagrada particularmente à "União": acusa-nos de querermos semear a discórdia dentro dela, de nos intrometermos onde não somos, chamados etc. Acusações gratuitas, evidentemente, pois com uma redação eleita, que "vira" à mais ligeira brisa, tudo depende de que lado sopra tal brisa, e nós determinamos tal direção em sessões privadas, onde não havia exceto os membros das organizações que desejavam unir-se. A proposta feita em nome da “União” sobre as emendas às resoluções de junho diluiu nossa última esperança de entendimento. Tais emendas confirmaram o fato de nova "virada" em direção ao "economismo” e a solidariedade da maioria da "União" com o nº 10 do Rabótcheie Dielo. Do conjunto dessas manifestações de oportunismo, eliminava-se o que se chama de "economismo” (por causa da pretensa "indeterminação do sentido” dessas palavras embora disso decorra a necessidade se definir com maior precisão a essência do erro amplamente difundido); eliminou-se também o “millerandismo” (embora B. Kritchévski o tenho defendido no Rabótcheie Dielo nº 2-3, p. 83-83, e de forma ainda mais explícita no Vorwarts*4). Apesar das resoluções de junho indicarem com precisão a tarefa da social-democracia – “dirigir as menores manifestações da luta do proletariado contra todas as formas de opressão política, econômica e social’ - exigindo assim que a unidade e o espírito de método sejam levados a tais manifestações de luta, a "União" acrescentava frases completamente inúteis, dizendo que "a luta econômica estimulava vigorosamente o movimento de massa" (essas palavras, em si mesmas, estão fora de discussão, mas devido à existência de um. "economismo" estreito deveriam forçosamente dar lugar a falsas interpretações). Ainda mais, nas emendas às resoluções de junho chegava-se a restringir a "política”: eliminando-se as palavras "Um instante” (não esquecer o objetivo da derrubada da autocracia) e acrescentando-se que “a luta econômica é o meio mais amplamente aplicável para integrar as massas à luta política ativa". Compreende-se que, após a introdução dessas emendas, todos os nossos oradores recusaram-se a falar, considerando que era totalmente inútil prosseguir as negociações com homens que de novo tendiam para o “economismo” e asseguravam a liberdade das vacilações.
“O que a “União” considerou precisamente como a condição sine qua non da solidez do futuro acordo, isto é, a conservação do caráter de independência do Rabótcheie Dielo e de sua autonomia, o Iskra considerou como obstáculo para a realização desse acordo” (Dois Congressos, p. 25). Isto é por demais inexato. Nunca atentamos contra a autonomia do Rabótcheie Dielo*5. Efetivamente, negamos de maneira categórica a independência de seu caráter, se por isso se entende o "caráter de independência" nas questões de princípio em matéria de teoria e de tática: as resoluções de junho implicam justamente a negação absoluta de tal independência de caráter, pois essa "independência de caráter” sempre significou na prática, repetimos, toda sorte de vacilações e o apoio que prestam ao estado de dispersão em que nos encontramos, a que é insuportável do ponto de vista do Partido. Pelos seus artigos no nº 10 e suas "emendas", o Rabótcheie Dielo demonstrou claramente seu desejo de preservar essa independência de caráter; ora, esse desejo conduziu, natural e inevitavelmente, à ruptura e à declaração de guerra.
Mas estávamos prontos a reconhecer "a independência de caráter" do Rabótcheie Dielo, no sentido de que devia dedicar-se às fundações literárias nitidamente determinadas. A distribuição judiciosa dessas funções impunha-se por si própria: 1. revista científica, 2. jornal político, e 3. compilações e brochuras de divulgação. Somente o fato de concordar com tal distribuição já provaria o sincero desejo do Rabótcheie Dielo de acabar de uma vez por todas com os equívocos das resoluções de junho, apenas tal distribuição eliminaria os atritos eventuais e asseguraria de fato a solidez do acordo, servindo ao mesmo tempo de base a um novo impulso de nosso movimento e a novos sucessos.
Não existe um único social-democrata russo que duvide que a ruptura definitiva da tendência revolucionária com a tendência oportunista deveu-se não a causas de "organização", mas exatamente, ao desejo manifestado pelos oportunistas de consolidar o caráter de independência do oportunismo, e de continuar a lançar a confusão nos espíritos através dos raciocínios à la Kritchévski e à la Martynov.
Redigido no outono de 1901-fevereiro de 1902.

Publicado pela primeira vez em brochura, em março de 1902.
_______________
*1 O conhecimento da literatura encontrava-se na base desse julgamento sobre a cisão, além das informações coletadas no estrangeiro por alguns membros de nossa organização que para lá se dirigiram.
*2 A afirmação foi retomada em Dois Congressos, p. 25.
*3 Na verdade, dissemos na introdução às resoluções de junho que a social-democracia russa, em seu conjunto, sempre se manteve dentro dos princípios do grupo “Liberação do Trabalho”, e que o mérito da "União” consistiu sobretudo em sã atividade, em publicações e em matéria de organização. E outras palavras, afirmamos nossa plena vontade de relegar ao esquecimento todo o passado e de reconhecer a utilidade (para a causa) de trabalho de nossos camaradas da "União", sob o condição de fazerem cessar imediatamente os vacilações que era o que pretendíamos “apanhar”. Toda pessoa imparcial que lesse as resoluções de junho, compreenderia tais resoluções exatamente assim. Portanto, se a “União”, após ter provocado a ruptura pela sua nova "virada” para o "economismo” (nos artigos do nº 10 e nas emendas), acusa-nos solenemente de não dizer a verdade (Dois Congressos, p. 30) por essa lembrança a seus méritos, esta acusação naturalmente pode apenas provocar sorrisos.
*4 No Vorwürts foi iniciada uma polêmica sobre isso, entre sua redação atual, Kautsky e a Zaria. Não deixaremos de tornar tal polemica conhecida aos leitores russos.
*5 A menos que não se considere como restrições à autonomia, as conferências das redações à ocasião do estabelecimento de um conselho supremo de todas as organizações unificadas, o que o Rabótcheie Dielo também aceitou em junho.

Emenda a 
“Que Fazer?”


0 "Grupo de Iniciadores", de que falo em minha brochura Que Fazer? obriga-me a fazer essa emenda à exposição, sobre sua participação na tentativa de reconciliação das organizações sociais-democratas no estrangeiro: "Dos três membros desses grupo, apenas um deixou a "União", ao final de 1900; os outros, em 1901, somente após serem convencidos de que era impossível conseguir da “União” seu acordo para uma conferência a ser realizada com a organização do Iskra no estrangeiro e a “Organização Revolucionária Social-Democrata" – a proposta do "grupo de Iniciadores" consistia exatamente nisso. Tal proposta foi inicialmente declinada pela administração da "União", com a justificativa de recusar a aceitação da conferência devido à "incompetência" de pessoas que faziam parte do "Grupo de Iniciadores"; mas, manifestava o desejo de estabelecer relações diretas com a organização do Iskra no estrangeiro. Contudo, pouco depois, a administração da “União” informava o “Grupo de Iniciadores" que após o aparecimento do primeiro número do Iskra, onde havia uma nota anunciando a cisão da "União", mudava de opinião e não mais queria estabelecer relações com o Iskra. Como explicar depois disso a declaração feita por um membro da administração da "União", segundo a qual a recusa dessa última em aceitar a conferência devia-se exclusivamente ao fato de a "União" não estar satisfeita com a composição do "Grupo de Iniciadores"? Na verdade, tampouco se, compreende o fato de a administração da “União” ter concordado em realizar uma conferência em junho do ano passado, uma vez que a nota do primeiro número do Iskra continuava a ser válida, e que a atitude "negativa" do Iskra em relação à "União" afirmara-se ainda mais no primeiro fascículo da Zaria e no quarto do Iska, ambos publicados antes da conferência de junho.

N. Lênin

"Iskra", nº 19, 1º de abril de 1902.

http://www.vermelho.org.br/biblioteca.php?pagina=quefazer3.htm

Extraído do Portal Vermelho

Postado por Carlos Maia ás 16:44   Matinhos, litoral Pr

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