quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A INJUSTIÇA.




*Pablo Neruda

Quem descobre o quem sou descobrirá
quem és.

E o como, e o aonde.

De rompante toquei toda a injustiça.

A fome não era só fome,

mas a medida do homem.

O frio e o vento eram também medidas.

Mediu cem fomes e caiu o erguido.

Aos cem frios foi enterrado Pedro.

Um só vento durou a pobre casa.

E aprendi que o centímetro e o grama,

A colher e a língua mediam a cobiça

e que o homem assediado tombava de repente

num buraco, e já não mais sabia.

Não mais, e esse era o lugar,

o real regalo, o dom, a luz, a vida,

isso era padecer de frio e fome,

e não ter sapatos e tremer

diante do juiz, defronte a outro,

a outro ser com espada ou com tinteiro,

e assim a empurrões, cavando e cortando,

cosendo, fazendo pão, semeando trigo,

pregando cada prego que pedia madeira,

metendo-se na terra como um intestino

para arrancar, às cegas, o carvão crepitante

e, ainda mais, subindo rios e cordilheiras,

cavalgando cavalos, e movendo embarcações,

cozendo telhas, soprando vidros, lavando roupa,

de tal maneira que parecia

tudo isto o reino recém-levantado,

uva resplandecente do cacho,

quando o homem resolveu ser feliz,

e não era, não era assim. Foi descobrindo

a lei da desventura

o trono de ouro sanguinário,

a liberdade celestina,

a pátria sem abrigo

o coração ferido e fatigado,

e um rumor de mortos sem lágrimas,

secos, como pedras que caem.

E então deixei de ser menino

Porque compreendi que a meu povo

não lhe permitiram a vida

e lhe negaram a sepultura.


Pablo Neruda

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